Imagine ter o irmão preso e passar anos sendo acusado de um crime que ele cometeu, sem que as polícias e a justiça façam alteração? Pois essa história é real, aconteceu aqui no Espírito Santo e virou um processo por danos morais.
Em 2015, Y*, de 39 anos, usuário de crack, furtou um comércio na Grande Vitória. Ele passou oito meses preso usando o nome do irmão. E não era réu primário. Diferente da prática correta, a delegacia não colheu impressões digitais dele para posterior verificação (processo datiloscópico).
Y* foi solto para responder o processo em liberdade e intimado para uma audiência em 2017. Mas a intimação, pelas mãos de um oficial de justiça, chegou na casa do irmão dele, X*, 43.
“Eu estava em casa com minha e meu pai na sala. Chegou um oficial de justiça me procurando. Ele mostrou o papel e na hora não assimilei. Fui ao fórum e disse que não tinha sido eu. Me mostraram uma foto e identifiquei o meu irmão”, relata.
Sem entender o que estava acontecendo, X* foi ao Fórum da cidade para se explicar e mostrar que, inclusive, os dois são bem diferentes na aparência. “No BO estava escrito branco e calvo. Não sou branco e tenho bastante cabelo. Isso foi que mais me salvou, pois não somos parecidos”.
Na época, X* ouviu que o caso seria enviado para o Fórum de outra cidade, com o pedido para que o nome dele fosse retirado do processo. A partir daí, começou uma verdadeira saga para X*. “Fui para um município procurando emprego e não passava nas entrevistas. Fiquei assim três anos, só arrumando bicos, sem carteira assinada”.
Ele, então, procurou o Fórum para onde o processo enviado. E veio outra surpresa. “Vi que meu nome estava como cúmplice do Y*. O juiz entendeu que eu era cúmplice dele”. Com a pandemia, que começou em 2020, o caso se estendeu. “O Fórum fechou e eu tive que esperar voltar”.
Em 2023, passados quase oito anos, X* conseguiu um emprego. No entanto, a empresa o demitiu, já que ele ainda respondia um processo criminal. Faz menos de dois meses que o nome de X* foi retirado do processo. “Viram que meu nome ainda estava lá e retiraram. Uma semana depois fui empregado”.
Agora, X* está processando o Estado e pede R$ 10 mil por danos morais. De acordo com a defesa dele, o caso tramita em uma vara da fazenda pública e está na fase de contestação. Eles estão aguardando o Estado se manifestar.
“Mesmo tendo informado que não tinha ligação com o caso e que seu irmão já tinha passagem na Polícia por outro furto, o cartório não o retirou do polo passivo da ação, apenas incluíram o nome do irmão. Então, o processo criminal passou a ser contra os dois”, explica a advogada Amanda Santos.
O processo segue em aberto pois o verdadeiro autor do furto não pode ser intimado pelo Judiciário.
Estado
A reportagem foi atrás do Estado para entender, o que, de fato, aconteceu. Questionamos se a polícia, Sejus ou outro órgão responsável não notaram o erro no nome, uma vez que o rapaz preso não era réu primário.
A Secretária de Justiça (Justiça) disse que apenas cumpre decisões judiciais e que problemas com detenção ou autuação são respondidos pelas polícias militar ou civil. Questionadas, as corporações não responderam.
Também procurado, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) disse que o posicionamento da parte, no caso, o Estado do Espírito Santo, é feito pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
A PGE respondeu que ainda não foi oficialmente notificada sobre qualquer decisão referente ao processo em questão.
*Iniciais fictícias usadas para preservação das identidades dos envolvidos
Fonte: ES HOJE